billa brambella
5 min readJun 24, 2019

diário íntimo

recuperação da adolescência

é sempre mais difícil

ancorar um navio no espaço

_ana c.

achei esses escritos nas notas do google. localizei isso acontecendo por volta de 2014/15, tinha uns 21 anos e a mente frouxa. agora em 2019 me faz pensar no eco que gritei do passado. esse poderia ser meu primeiro ensaio monólogo do qual tenho registro (nesse registro posso mentir, inclusive, bella do futuro, revisitei e editei algumas pequenas coisas para o seu deleite)

aqui

bella: lembra aquela vez que eu dei uma de independente e falei que cê nao queria fazer nada do meu lado e questionei porquê cê ficou?

a gente não falou mais nada.

no dia seguinte fui na exposição do dalí sozinha, pra mostrar que fico sozinha muito, muito bem e que sei cuidar de mim. caí no asfalto de meio da rua na frete da fila que dobrava quarteirão pra entrar.

lembra?

ralei o joelho direito e torci o tornozelo esquerdo. [risada]

falei num grupo de amigos do whatsapp em que você tava que era nóia e que tinha levado esse tombo ao som duma música da conká chamada “tombei”. você veio perguntar se eu tava bem no privado e eu respondi que tinha sido atropelada…

por um elefante. você riu e falou pra eu ir lavar o machucado.

foi a primeira vez que eu caí, me machuquei e não chorei.

se bem que se pá eu tenha mesmo sido atropelada por um elefante. o elefante da transição do adolescente pro jovem adulto que te pisoteia e te ensina a não chorar quando se estatela no asfalto. eu sou muito mimada. pego a vassoura pra lavar o quintal e quando percebo meus dedos tão em carne viva. eu vou em exposições de gente coxinha, fumo maconha, posto umas merdas no facebook (as quais eu apago depois quando me dou conta de quão incapaz eu sou. ou só por insegurança de rirem de mim e eu ser novamente aquela criança esquisita que dormia com livros). e me sinto mal por achar que sou muito patricinha e que não desconstruí vários preconceitos infelizmente. e fico pensando no quanto o restante da minha família tirando pai e mãe é tudo que odeio na sociedade? mulheres ricas que fecham a janela do carro quando a criança pobre vem pedir dinheiro

[chorando] elas riem de mim, elas riem das minhas pernas não depiladas, elas riem do meu joelho sangrando. olham com cara de nojo e desprezo. peso 85kg, tô suada nesse calor de 30oC, não uso sutiã. não sou humana. sou uma coisa muito diferente do que essas pessoas humanas são. sou um animal digno de deboche, um objeto, um capacho daqueles de entrada. “bem vindo ao mundo dos homens”, o capacho diz

[não chora]

entro na tal mostra e vejo mãos segurando celulares, mãos mãos mãos celulares e vários arrobas. “será que nossa evolução será her?”. já te contei que amo e odeio quando tiram foto cortando uma parte do quadro? é ao mesmo tempo um desrespeito com o que o cara criou. eu ficaria brava se jogassem algo meu fora de contexto! mas é uma forma de personalizar uma coisa “mundialmente conhecida” sem ligar pra nada, só registrar seu ponto de vista [único] em todas as dimensões… você tá ali por um momento onde ninguém mais tá.

[cigarro]

gosto dos seus pontos de vista.

enfim [gesticulando], entro e percebo que o homem é um ego, um ego que só admira suas próprias conquistas, a conquista da sua “raça”. passam horas na frente de uma telinha tecnológica criada por homens, entrando no facebook pra admirar feitos e mentiras de outros homens [sussuro:olhasóoqueconquistei], pegando horas de fila pra se reunírem com outros homens e olharem uma “arte” feita por outros homens. e essa arte era uma catarse egóica também, cara… e tudo isso é uma catarse egóica predominantemente… de caras

[eco]

por que a gente tem essa necessidade de materializar nossos pensamentos e emoções?

e por que será que os casais heterossexuais insistem em se beijar em público?

no que o mark zuckenberg pensou quando criou a famigerada rede social?

[/eco]

daí eu me sento e fico pensando que, como assim alguns não querem falar de política? sair de casa do jeito que cê é ou quer é um ato político. tudo que você come, compartilha, consome é um ato político. quando a gente sai de mão dada e quando cê compra (ou rouba) roupa na sessão masculina da renner é um ato político. ser uma mulher ou ser de qualquer outra minoria é um ato político. a gente tem cara pra bater, amor?

hein.

será que eu tenho cara? [distante]

como será que a sociedade vê o meu pai, lido como não branco, idoso, classe média-baixa meio falida, capenga? e minha mãe? lida como mulher, idosa, e inclusive sapatão (por mais que não chegue nas vias de fato, né? pra cada 1 pessoa existem 7 esteriótipos no mundo)

tá, eu inventei esses números.

talvez eu não estivesse preparada pra sair sozinha, mesmo. talvez tinha que ter ali alguem pra me segurar quando eu tropecei, pra não deixar eu fumar um beck em área nobre. reclamando de todas as coisas como você sempre reclama. botando meu pé-balão-a-gás que voa tão alto quando vai pro céu à no máximo uns 100 pés do chão. talvez eu não tava preparada pra cair, nem pra encarar esse elefante de frente, nem as minhas mulheres ricas, nem as mulheres ricas do mundo, e muito menos o fato de que essas mulheres são doutrinadas pelo patriarcado, na verdade. a empatia por essas mulheres… nem o mark zuckenberg. nem o papo egóico do homem, nem o falocentrismo, eca. não. será que eu precisava de alguém do meu lado, alguém confiável (mas que eu mal conheço porque desisti de conhecer os outros, ou pelo menos digo que sim), alguém pra quem eu pudesse dizer tudo isso…

na hora?

e será que

esse alguém era

você?

ou talvez eu estivesse pronta. ou precisasse ficar e ir despreparada mesmo. e talvez agora queira ou tenha que cair sozinha por aí e enfrentar a vida com meus dois joelhos e mais nada

billa brambella

gosta de rasurar sua existência, falar de mulher, de filme de terror, pensar em novos lugares, beber vinho barato e causar incômodo